O trabalho de Samatendje teve muita repercussão antes da Independência Nacional e no período da guerra dos 16 Anos. Segundo Dário Raiva, residente em Gorongosa, o régulo praticava magia diversa, nomeadamente de formação de tempestade, desaparecimento, camuflagem e transformação em animais e em mulher.
Nas palavras do senhor Tongai Castigo, outro habitante do distrito, um feito memorável do régulo Samatendje em Gorongosa teve lugar no tempo colonial, quando engenheiros portugueses resolveram construir uma ponte sobre o rio Nhandugue. Para que a construíssem, os engenheiros tinham de primeiro pedir autorização ao líder comunitário, a quem caberia a ministração de uma cerimónia tradicional para informar aos ancestrais acerca da construção.
Mas, tendo ignorado as regras, os portugueses começaram a erguer a ponte e um dia tiveram a visita do régulo, o qual os advertiu do desabamento da obra logo que terminasse. Os portugueses prenderam o líder e prosseguiram com o trabalho. Não passou muito tempo e uma grande tempestade, que durou uma noite, irrompeu.
No dia seguinte, os engenheiros receberam a informação do desabamento da ponte – o vendaval afectara só a área onde se localizava a obra. Com urgência, mandaram soltar Samatendje e nunca mais os engenheiros voltaram àquele lugar e alguém tentou reconstruir a ponte, até hoje, optando-se pela ponte local.
Os vestígios da obra desabada podem ser vistos até agora, no rio Nhandugue, passando do atalho via Vunduzi em direcção à Nhamachete, saindo da Gorongosa.
Durante a Guerra Civil Moçambicana, diz o entrevistado Dário Raiva, o régulo sofreu várias tentativas de captura pelas Forças Armadas, mas, graças aos seus poderes mágicos, conseguia sempre escapar, desaparecendo ou transformando-se em animais.
Um episódio inesquecível nessa sequência de perseguições aconteceu na Serra da Gorongosa, quando, se apercebendo da presença dos militares, Samatendje se camuflou em uma senhora e mostrou aos homens a direcção em que ele supostamente havia ido.
Rosário Da Costa, outra fonte conhecedora da história do régulo Samatendje, contou que, ainda na época da Guerra Civil, o mágico acobertava também várias pessoas, a maioria guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana.
Um curandeiro que desafiou a Natureza
Segundo Emirane Sobrejal, natural de Sofala que também sabe da vida de Samatendje, o régulo tinha poder sobre a Natureza, especificamente de “amarrar” (controlar) a chuva, como se fosse um deus, bem como curava na base de raízes de plantas.
Tal era esse poder que, uma vez, na Serra da Gorongosa, caiu uma chuva ininterrupta por sete dias, após que a população ficou a saber da morte do régulo. De acordo com Sobrejal, para os populares, Samatendje tinha originado a chuva.
Dizem que o mágico continuou a comunicar-se com os vivos, já morto. O caso mais famoso verificou-se passados sete anos, quando um dos netos (o mais velho) do curandeiro veio à Gorongosa da Cidade da Beira. Nesse dia, o neto que morava com o régulo foi tomado pelo espírito do avô, que deu as boas-vindas ao visitante.
O espírito ordenou que um dos filhos do falecido fosse até à árvore mais grande da machamba que encontraria um animal (acharam um búfalo enorme já abatido). O quadrúpede devia ser usado para dar uma festa ao neto visitante. Ademais, no dia seguinte, uma hiena apareceu de repente e foi brincar com o hóspede atrás da casa, e todos acreditavam tratar-se do mágico.
Samatendje desempenhou a função de régulo de Mapangapanga, onde viveu, em Gorongosa, até 2009, próximo à nascente do rio Mwedje. Houve dificuldades em aferir a data exacta em que morreu, mas ficamos a saber de que o régulo devia somar 97 anos de idade.
Escrito por Castigo Mavuque para Tsevele
