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terça-feira, 17 janeiro 2023 18:07

MATHUNA: a tradição, os mitos e o erotismo

Imagem meramente ilustrativa Imagem meramente ilustrativa

(Jan/01 2023) – Mathuna é assim que se designa o alongamento dos lábios do órgão genital feminino (Mitsingi), num processo tradicional complexo. O alongamento vaginal é uma prática que ocorre predominantemente nas regiões centro e norte de Moçambique (com destaque para Nampula), sendo que no sul acontece em menor escala.

Para a abordar este assunto, contactámos a jovem Joana Costa Nhantaiza, conhecedora profunda e praticante da Mathuna. Ela explicou que o processo de alongamento labial, relaciona-se com a noção básica da feminilidade, que é fechar o orifício vaginal com os Mitsingi-pequenos lábios vaginais alongados, o orifício vaginal naturalmente aberto à nascença.

Os lábios vaginais alongados são muitas vezes referidos usando-se o exemplo da "porta". Para o acto sexual, os parceiros antes da penetração do pênis devem abrir "a porta", "o homem não pode entrar assim".

São aspectos muitas vezes referidos tanto para ilustrar a importância de a mulher ser "fechada" como a necessidade de se "brincar" (ter jogos eróticos) antes da penetração do pênis na vagina, disse a nossa fonte.

A necessidade de fechar o corpo aberto, prende-se também à imperatividade de proteção contra as forças maléficas, sobretudo da feitiçaria, cuja porta de entrada, é geralmente o orifício genital, segundo se acredita na aldeia da Joana.

O alongamento dos lábios vaginais menores (Mitsingi), cujo acto se designa kukhuna, kupfuwa ou puxa-puxa, insere-se no processo de iniciação da sexualidade feminina, caracterizando-se pela modificação do corpo, especificamente dos órgãos genitais.

Inserido nos ritos de iniciação, o alongamento labial antecede o casamento, orientado pelas mulheres mais velhas, as madrinhas ou massungukati, que são geralmente escolhidas pelas próprias mães ou as tias e são compensadas para dar os ensinamentos e seguir a evolução do alongamento.

O alongamento é realizado a partir dos 12 anos, na idade pré-puberdade, geralmente duas vezes ao dia. Pela manhã e pela tarde, num lugar restrito longe do olhar dos demais membros da família.

Nas primeiras vezes, a madrinha demonstra os procedimentos, auto puxando-se, assegurando que a instruenda esteja procedendo correctamente. Cabendo posteriormente à madrinha, a função de acompanhar.

Os lábios são massageados e esticados de cima para baixo com as pontas do polegar e indicador de cada mão, num procedimento caracterizado por dores ligeiras nos primeiros dias, conforme explica Joana.

Procede-se usando substâncias oleosas extraídas de amêndoas. Frequentemente usa-se da fruta de nfuta ou lhafura (rícino - Ricinus communis), que é queimada e pilada para extrair o óleo que lá se encontra. Este e outros tipos de amêndoas da qual se extraem os óleos também podem ser adquiridos nos mercados ou entre médicos tradicionais, em todo o país.

O processo de alongamento pode durar vários meses até atingir um tamanho de 3 a 4 cm, considerado o ideal. A madrinha que acompanha o alongamento dos lábios da jovem é quem define quando esse processo deve ser considerado terminado, à medida em que ela vai observando atenciosamente a sua evolução.

Segundo a nossa entrevistada, acredita-se que a mathuna, aumenta o prazer de ambos (homem e mulher), melhorando desta forma a produtividade erótico-sexual, condimentos indispensáveis para apimentar a relação e estabilizar o lar.

Joana Costa Nhantaiza exemplificou que quase todas as raparigas da sua aldeia, passaram por este processo. E aquelas que por alguma razão não tenham mathuna, são consideradas de estranhas correndo o risco de não conseguir ter um parceiro, ou não ter relações duradouras.

Segundo a fonte, durante a penetração, a mathuna enrola-se sobre o pênis e só desenrola quando a mulher tiver atingido orgasmo. Sem isso, a mathuna não desenrola.

Ao fazer este enrolamento, os lábios, de tão grandes que são, enchem-se fazendo uma ficção com órgão genital masculino, estimulando a eroticidade do acto.

Mas, antes da penetração, a nossa entrevistada explicou que ambos devem "brincar", cabendo particularmente ao homem, acariciar o órgão genital feminino de modo a provocar a excitação máxima da mulher e assim a mathuna abrir-se.

Durante a conversa, a Professora Joana Costa Nhantaiza, contou outras particularidades que tornam o orifício vaginal saudável e apetecível para os homens.

Da mesma forma que os pequenos lábios alongados servem para fechar o orifício vaginal considerado "aberto", após o nascimento dos filhos, algumas utilizam várias substâncias para fechar, contrair ou reduzir o canal vaginal.

Estes produtos são chamados mankwala ya kubvalira, o que significa literalmente "remédio para pôr", expressão referida especificamente para o órgão genital feminino.  São, na sua maioria, mulheres em idade fértil e sexualmente activas.

Muitas delas usam produtos após o parto para “fechar” a vagina o mais rapidamente possível, para poder retomar às relações sexuais com o parceiro como se fosse "virgem". Geralmente os remédios vaginais são fornecidos pelos familiares da mulher (madrinhas, tias, avós) ou pelos médicos tradicionais.

Os mankwala produzidos localmente são folhas, raízes, cascas de árvore secas e piladas (reduzidas a pó) e segundo a nossa fonte, são colocadas de três maneiras: superficialmente na calcinha, inserido no orifício vaginal com a ponta do dedo, ou ainda com mais profundidade dentro da vagina.

Além das práticas de kubvalira, para se lavarem, as mulheres usam misturas de água nas quais adicionam sabão, sal, vinagre, chá e limão. A lavagem é realizada diariamente ou até três vezes por dia, tendo em conta as vezes que a mulher faz o seu banho.

Para lavar o orifício vaginal, introduz-se um ou dois dedos da mão direita efetuando um movimento giratório.

Esta lavagem pode ser feita em associação a remédios vaginais ou em substituição destes, com o fim de secar e apertar a vagina. Todas as mulheres sexualmente activas tendem a usar mankwala ya kubvalira, embora as mulheres grávidas deixem de usá-los após o terceiro mês de gestação.

Estes detalhes de limpeza e organização do órgão genital, anula a opinião de que as mulheres na menopausa param de ter relações sexuais. Segundo a nossa fonte, toda a mulher pode fazer sexo mesmo na menopausa, bastando ter seguido rigorosamente durante a adolescência e juventude, os procedimentos acima referidos.

Igualmente, o facto de as mulheres usarem estas práticas a vida toda, relaciona-se com a necessidade de melhoramento da sua auto-estima, para "ficar bem" e ter "peso", isto é, sentirem-se "fortes".

Em situação de “competição” sexual com outras mulheres pelo mesmo parceiro ou marido, quer em meio rural como urbano, as mulheres tendem a aumentar o uso de produtos vaginais. A procura de mankwala para inserir ou aplicar na vagina, ou ainda ingerir, de acordo com a nossa fonte, visa melhorar sua relação sexual e o interesse do parceiro.

As "trabalhadoras do sexo" tendem a usar produtos vaginais para poder assegurar as prestações sexuais satisfatórias e que o parceiro sexual "não desconfie que elas acabam de ter relação com outro homem". Assim, a frequência da utilização dos produtos vaginais é variável de alta a média, podendo ser diária ou semanal, de acordo com a necessidade e a eficácia da substância.

“O orifício vaginal deve ser apertado, seco e quente para permitir a fricção e o prazer sexual de ambos os parceiros e o bem-estar da mulher. Se não se cuidarem, as mulheres dizem que o corpo fica "aberto", com "água", com "ar" e no acto sexual faz "barulho", aconselhou a jovem Joana.

Escrito por Amadeu Quehá para Tsevele

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