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terça-feira, 05 julho 2022 17:34

A prática dos Ritos de iniciação no Centro de Moçambique

Ilustração de adolescentes em cerimómia de ritos de iniciação. Ilustração de adolescentes em cerimómia de ritos de iniciação. ©DWN.Carvalho

Entende-se por ritos de iniciação como um conjunto de práticas pelas quais se inicia alguém á vida adulta tendo em observância os mistérios de uma dada região e cultura. Além da educação da família e do grupo, o rito de iniciação tem um papel preponderante na instrução e educação dos adolescentes. Geralmente, esta cerimónia é realizada para marcar a transição da adolescência para a juventude.

Depois de explorar os contornos desta prática na região Norte e Sul do país, vamos neste artigo percorrer os contornos da mesma na zona centro do país. Nesta região, concretamente na província de Sofala, os ritos de iniciação eram no passado realizados para as raparigas quando estas vissem a primeira menstruação, pois estas já eram consideradas mulheres já “crescidas”, e, por conseguinte, prontas para receber os ensinamentos que lhes serviriam de guia na nova fase das suas vidas. Para os homens, os ritos de iniciação eram realizados quando estes tivessem os sonhos molhados e, estes podiam ter a duração de um mês, dois meses, ou até mesmo 1 ano.

Actualmente estes hábitos tem a tendência de desaparecer em algumas partes da província, principalmente nas zonas urbanas, uma vez que a cerimónia deixou de ter a importância que tinha no passado. Antigamente, quem não passasse por esta cerimónia era considerada/o uma pessoa sem valores. O rito de iniciação é uma cerimónia que podia e pode ser realizada em grupos ou de modo individual, sendo que de forma individual, quando a adolescente visse a sua primeira menstruação ou o adolescente tivesse os seus sonhos molhados, os pais ou os seus responsáveis procuravam um/a anciã/o detentor de conhecimentos que fosse capaz de transmitir os ensinamentos aos menores. Esta pessoa mais velha recebe o nome de "pungo" que significa madrinha ou padrinho na língua cena.

Com o passar do tempo, os ritos de iniciação foram evoluindo, sendo que nos dias de hoje para além de serem realizados quando a mulher vê a sua primeira menstruação e o homem os sonhos molhados, estes podem também ser realizados muito tempo depois de os adolescentes transitarem da adolescência para a juventude, quando o adolescente deseja contrair o sacramento do baptismo e crisma na religião cristã especialmente para os que professam a igreja Católica. As pessoas têm a possibilidade de pagar pelos ensinamentos que vão adquirir, isto acontece mais quando as pessoas passam da idade recomendada sem serem submetidos à cerimónia.

Os ritos de iniciação para as mulheres

Em uma conversa com os idosos Rosa Monta, Medeira Sitole, Anita Blaundí e Bernardo Toma, eles explicaram que nos ritos de iniciação para as mulheres, os padrinhos ou madrinhas tinham a responsabilidade de ensinar as mulheres como estas deviam se comportar na sociedade, como ser uma boa mulher, dona de casa, como tratar o seu parceiro, ser submissa, saber como cuidar de casa, com quem deve construir uma amizade e com quem não deve, etc. Rosa Monta conta que após receber os seus ensinamentos, as mulheres deviam brincar só com outras mulheres que já tiveram passagem pelos mesmos ensinamentos, partindo do princípio de que se brincassem com outras pessoas, estas poderiam ser desencaminhadas. Estes ensinamentos podiam ter a duração de dois ou três dias, ou até mesmo uma semana, referindo que quando a mulher atingia a idade de conhecer um homem, esta devia colocar missangas na cintura e em outras partes do corpo (pulsos, tornozelo e pescoço) como um estimulante sexual masculino.  Para além de colocar as missangas, as mulheres podiam fazer cortes ou tatuagens ao longo do corpo (no tórax, barriga e costas) ou até mesmo na cara para o mesmo fim, ou para dizer que a mulher já estava pronta para ter relações sexuais. Rosa Monta refe que quanto mais cortes as mulheres tivessem, era sinal de maior prontidão para ter relações sexuais. Os cortes não eram feitos por qualquer pessoa, mas sim pessoas mais velhas com experiência que eram designadas para tal.

Durante os ensinamentos, as mulheres podiam sair de manhã para casa de suas madrinhas e voltarem no final do dia, ou até mesmo dormirem em casa de suas madrinhas quando houvesse um trabalho difícil para se fazer logo pela manhã, isto quando os ritos de iniciação eram feitos de forma individual.

Nos ritos de iniciação em grupo, as adolescentes dirigiam-se para uma determinada zona distante da cidade ou aldeia, e lá, elas eram ensinadas sobre como ser uma boa mulher.

É nos ritos de iniciação onde as mulheres aprendiam como proceder quando ficassem gravidas e atingissem os 4 meses de gravidez. Segundo as nossas entrevistadas, perante uma gravidez, a gestante devia amarar capulana até por de baixo dos seios e sem colocar a blusa ou sutiã, como forma de informar aos demais na comunidade sobre o seu estado, de modo a ser dispensada de trabalhos pesados.

Os ritos de iniciação para os homens

Segundo Medeira Sitole, nos homens os ritos de iniciação servem mais para ensinar como estes devem tratar as suas esposas e como estes devem cuidar da sua família, como ser homens de valor para a sociedade, como ser um bom chefe de família, etc.  Os responsáveis por transmitir os ensinamentos aproveitavam a ocasião para fazer a circuncisão nos adolescentes através de técnicas locais.

Os familiares não podiam estar presentes nestas cerimónias tanto nos ritos de iniciação em grupo, assim como nos ritos de iniciação feitos de forma individual. Se houvesse a necessidade de entregar algo (alimentos, roupas), os encarregados paravam num determinado lugar e os responsáveis pela cerimónia iam lá buscar a encomenda. Em caso de imprevisto durante a cerimónia,  por exemplo a morte de um familiar do adolescente ou qualquer outro acidente, os educandos não deveriam saber antes do término da cerimónia e, o mesmo valia para os outros integrantes do grupo, ou seja, caso um dos educandos morresse ou ficasse doente, os seus encarregados não deveriam saber, de forma a não perturbar o decorrer da cerimónia. Antes dos adolescentes irem para a cerimónia, estes eram preparados psicologicamente para eventuais acontecimentos.

Quando a cerimónia terminava, os familiares ficavam num certo ponto com tambores tocando e cantando de modo a celebrar a recepção de uma “nova pessoa”.  Após a cerimónia dos ritos de iniciação, a mulher ou o homem não podia contar o que aprenderam às outras pessoas, partindo do princípio de que se não contassem o que aprenderam, os outros que ainda não passaram pela cerimónia desenvolveriam uma certa curiosidade e isto faria com que os outros adolescentes tivessem vontade de ir aprender. "Era comum fazer-se os ritos de iniciação em grupo nos homens mais do que nas mulheres, mas não era obrigatório que estes fossem em grupo tanto nos homens assim como nas mulheres", explicou Bernardo Toma.

"Existem alguns tabus por de trás desta cerimónia, como por exemplo: as cerimónias dos ritos de iniciação aumentam as taxas de gravidezes precoces, casamentos prematuros, etc., porém estes tabus não constituem a verdade porque no meu entender os ritos de iniciação são para ajudar os adolescentes a não se desencaminharem e a ensiná-los as boas maneiras de como viver e se comportar dentro de uma sociedade ", defendeu Anita Blaundí.

Por seu turno, Bernardo Toma acrescenta que ainda tem esperanças de que as pessoas voltem a valorizar os ritos de iniciação como antigamente, principalmente nas cidades porque esta prática faz parte da cultura e história Moçambicana.

Escrito por Margarida Amadeu para Tsevele

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